Foi uma etapa animada, como se previa, mas muito controlada, tirando alguma emoção à disputa entre pelotão e fuga.
Algo que também condicionou o início da etapa, e a formação da fuga, foi a queda que ocorreu ao 5º km, envolvendo o pelotão quase todo e que implicou a neutralização da etapa durante vários minutos.
O que nos leva a outro ponto, as várias desistências ao longo do dia, nomeadamente, Ruben Guerreiro, Meintjes, Chaves, Shaw e Bardet, mas não só.
Quando retomaram a corrida, tornou-se claro que as intenções da Jumbo era endurecer até à subida final, com um excelente trabalho de todos os elementos. Nunca permitiram muito tempo de vantagem à fuga, com uma gestão exemplar, e os fugitivos mais inconformados foram Alaphilippe, Tobias, Martinez, Landa, Woods, Pinot, Aranburu e Poels, mas, principalmente, Ciccone. O italiano estava num dia fantástico, tentou inúmeras vezes, mas as suas intenções esbarraram sempre no ritmo da Jumbo. Powless, por outro lado, não teve capacidade para estar junto dos fugitivos, tentou, mas, nos momentos em que aceleravam, perdia sempre o contacto, provando que, efetivamente, neste momento, não está com capacidade para disputar os pontos nas subidas mais exigentes.
Os holandeses não estavam propriamente a perseguir a fuga, mas tinham um plano para este dia e seguiram-no. O objetivo principal era ter um ritmo alto durante todo o percurso, para que, na última subida, Jonas pudesse atacar e desfazer-se de Tadej, dado que, na teoria, era uma subida mais indicada para si do que para o Maillot Blanc.
A 58km do fim, Ciccone, que tanto tinha tentado, finalmente rendeu-se ao inevitável e deu por terminada a sua aventura. 3km depois, Pidcock e Martin sofriam no fundo do grupo, com o britânico a dizer adeus a 1,9km do topo, e 52km da meta. Nem na descida viria a reentra. Nessa mesma descida, houve cortes, devido ao ritmo de van Aert, obrigando Yates (felizmente para ele, tinha um colega consigo, Chris Harper), Gall e Martin a trabalhar para reentrarem no grupo dos favoritos, que só tinha 11 elementos.
A Jumbo mantinha o seu plano, estilo Sky (comboio de equipa, atropelou todos os que ousaram atacar, neste caso, para a fuga, com um ritmo alto e autoritário). Pareciam uma armada militar, até que, os ‘rebeldes’ da UAE, decidiram lançar Majka para a frente do grupo, a 11km do topo, e 23km do fim, surpreendendo as ‘abelhas’. Wout van Aert e Kelderman foram logo descartados, o belga até ficou ‘a pé’, pelo menos, era o que parecia. Para ainda maior surpresa, ressuscitou, 1km depois, e, como uma mota, passou o grupo e ‘acabou’ com o trabalho do polaco, relegando-o, rapidamente, para a cauda do pelotão. Foi um momento que vai marcar este Tour. Teve tanto de insólito como de impressionante.
Kuss era o gregário que se seguia, e, quando assumiu a frente, só havia, além de Pogi e Vinge, A. Yates, C.Rodriguez, Gall e Hindley. O americano fez 4,5km na frente, reduzindo o grupo a 5 elementos, desta feita, foi o austríaco a despedir-se dos restantes, eventualmente seguido pelo australiano, que, por isso, via o seu lugar no pódio ameaçado pelo espanhol da INEOS, que seguia no grupo.
Depois de Kuss, foi a vez de A. Yates. O britânico reduziu o grupo a três, sobravam Maillot Jaune e o Maillot Blanc, como sempre.
A 3,7km do topo, foi o momento de Pogacar atacar, Vingegaard seguiu apenas por 100m, mas não quebrou. Foi uma guerra de 2km, precisamente, com o dinamarquês a voltar à roda do esloveno, e nenhum se comprometeu a trabalhar na frente. Rodriguez, com A. Yates estava a 1’08’’.
Controlaram-se durante 1km, com Jonas na frente, mas a um ritmo baixo (fez lembrar os sprints na pista), e, a 540m do topo (onde havia bonificações), Pogacar lançou um ataque/sprint, provavelmente com intenções de fazer diferenças para o rival, como tem feito nos últimos confrontos entre ambos, e só foi parado pelas motos da organização… Vale o que vale, mas, perante os últimos exemplos (no que toca a estas acelerações de Tadej e às respostas de Jonas), assim como o feeling inicial que tivemos aquando do arranque do esloveno, parecia que o dinamarquês poderia ceder, outra vez, uns metros ao rival, o que, conjugado com as bonificações no topo e na meta, podiam ter alterado a liderança da corrida, porém, não somos adivinhos.
O que sabemos é que estavam duas motos, de forma irresponsável, num momento crucial, à frente dos dois candidatos à vitória final do Tour e interferiram diretamente no desenvolvimento da etapa e, quiçá, da CG.
Pogacar, claramente desorientado com o que tinha acontecido, ficou à frente de Jonas até aos 100m finais da subida, sendo surpreendido e perdendo o sprint, assim como as bonificações. Ainda tentou contra-atacar, mas sem resultado. O líder da UAE estava, sem dúvida, perturbado com o que tinha acabado de acontecer, com razão, mas devia ter sido mais cauteloso. O ataque foi frustrado pelas motos, e deviam sofrer uma penalização (podem ter influenciado diretamente o resultado da etapa e da CG, e não é a primeira vez no ciclismo, nem seria a última neste dia), mas, perder o sprint, foi responsabilidade, única e exclusivamente, sua.
De trás, perante o controlo entre os dois da frente, vinham Rodriguez e Yates, também eles prejudicados pela moto de ‘apoio’ quando tentavam consumar a junção. O espanhol não pediu licença e partiu direto em busca da etapa.
Pogacar pressionou durante a descida, mas não conseguiu aproximar-se de Carlos, e foi sempre seguido, com facilidade por Vingegaard, enquanto Adam ia perdendo o contacto.
A 1,3km, Pogacar abrandou, tendo consciência que já não apanhava o adversário, e permitiu que o seu colega regressasse para puxar até à meta. Contudo, isto mostra o desespero da UAE neste final de etapa.
De uma forma muito simples, dificilmente o Pogacar teria 1’’ ou 2’’ sobre Vingegaard na meta, portanto, para compensar os 3’’ que perdeu no topo da subida final, teria de bonificar o mais que conseguisse e tentar que o rival não o fizesse.
Ao levar Jonas para a meta, com trabalho de Yates, garantia que o líder da Jumbo bonificasse 6’’ (2º) ou 4’’ (3º), mas, se Adam passasse direto por eles, só sobravam 4’’, e, aí, Pogacar tem vantagem sobre Vingegaard.
A matemática é simples, ou vão os dois sprintar e, na melhor das hipóteses, Pogacar ganha 2’’ a Vingegaard (fazendo 2º vs 3º), perdendo, mesmo assim, 1’’ no dia (uma vez mais, fruto do sprint bonificado que negligenciou no topo da subida final), ou, de outra forma, Yates aproveita o ritmo baixo da dupla e, embalado, passa para as bonificações, deixando apenas o 3º lugar, 4’’, para os dois. No campo do sprint, Pogacar é muitíssimo superior a Vingegaard, portanto, salvo alguma eventualidade bizarra, ganharia os 4’’ remanescentes, deixando o Maillot Jaune sem bónus. Neste caso, em detrimento de estar a 10’’, estaria a 8’’. Parecem pormenores, mas, psicologicamente, faz toda a diferença.
É pena vermos uma etapa e, eventualmente, a CG, perturbada por fatores externos, mas é incrível ver dois atletas no topo do seu jogo, constantemente igualados. Soberbo.
Quanto à resolução da etapa, Carlitos Rodriguez brilhou, levou uma vitória super merecida e subiu ao 3º posto, por 1’’ (benditas bonificações). Gall, Kuss e Adam Yates também estiveram incríveis.
A melhor forma de resumir a dureza deste dia é ver as diferenças na meta entre os melhores e os restantes.
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